terça-feira, janeiro 24, 2006

Teoria: No reino da Vida Selvagem

Depois do filme “Gorilas na Bruma” realizado por Michael Apted onde podíamos ver o quotidiano gorilístico (sim, inventei este vocábulo, posso?), o canal estatal da República Checa acaba de estrear um “Big Brother” cujos concorrentes são gorilas e o programa está a ter um êxito enorme.
Ao todo são 16 as câmaras que acompanham dia e noite a vida de um macho, três fêmeas e um filhote numa área que inclui “casa” e um "jardim" com design, com certeza, para macaco dentro do Jardim Zoológico de Praga. O programa visa angariar fundos para uma reserva de gorilas em África.
Com 175 quilos, Richard é o macho e patriarca encarregue de mandar na malta. A cria, Moja, tem um ano de idade e pesa 8 quilos. Moja ainda gatinha, mas já está a fazer grandes progressos e a tentar aprender a andar, “levanta-se e cai, levanta-se e cai!”. Não é isso que todas as crias fazem no primeiro ano de vida?
Os nativos da República Checa só têm que votar no seu animal preferido, que deverá ganhar 12 melões, um dos frutos mais queridos dos gorilas. Acho o programa de muito bom gosto, sociologicamente e cientificamente interessante, pedagógico até... para que enfiemos finalmente a carapuça e não sejamos uns presunçosos do raio, a achar que somos muito diferentes dos restantes animais que cavalgam pela crosta terrestre.
Já há uns tempos que defendo a teoria de que aprendemos bastante sobre nós (humanidade) nos programas BBC Vida Selvagem, isto porque tirando umas fatiotas, uns ‘make-up’s’ e evidentemente a verborreica humana, fazemos todos parte integrante da mesmíssima dose de estrume. Por causa de tê-lo defendido publicamente às sete da manhã numa noite de Verão ia levando um tabefe de um filho de África, que pensou que estava a mandar-lhe uma indirecta. Aquela hora também já estão todos para lá de Marrakech e nem eu, nem ele éramos excepção.
Antes que apanhasse o tal pão na boca esclareci imediatamente o rapaz que esta minha teoria fruto da cultura televisiva, via TV Cabo, contempla TODA a humanidade e não apenas a raça negra.
Os programas que estão constantemente a repetir no canal Odissey são bastante esclarecedores sobre a simbiose existente entre presa - predador. E não é o que nos vamos batendo por ser?
Predadores, então, em vez de presas...
É a presa quase sempre que se põe a jeito de apanhar. É ela que passeia displicentemente pela selva, com um ar provocador.
Parece que está mesmo a pedi-las!
Pensem no exemplo de uma gazela, toda lolita a fazer o pliet num charco de lama, o baile do acasalamento pode custar-lhe a vida se estiver algum predador à espreita. Outro óptimo exemplo da nossa semelhança com o resto do mundo animal.
Fruto de programas muitíssimo educativos, já descobri que arrancam penas, matam-se e esfolam-se vivos, mentem sobre si próprios, encharcam-se de colónia barata, dizem uma data de parvoíces. Olham, desolham, comem-se literalmente pós acto sexual, lambem-se, rosnam, gritam, arranham-se, agarram-se, colam-se e mordem. Nada que nenhum ser humano não tenha feito, (falo genericamente). Somos bichos, o Miguel Torga achava a mesmíssima coisa. Uns vão em carneiradas, outros preferem cabriolar de esguelha e ignorar os sinais de trânsito. Outros ainda hibernam na toca quando vêem o caso mal parado, quando não o vêem andam a monte entre especiarias indianas e vestidos chineses da Mouraria. A selva é a selva, seja urbana ou na savanah.

"A nossa necessidade de consolo é impossível de satisfazer"

E...depois?
A aranha caiu da teia e passou a ser ninguém, a mosca alucinada passou-lhe uma razia e ela cambaleou e caiu.
Angustiada não desistiu, trepou apressada até ao cimo da parede, desenhou a sua teia num canto, naquele sitio onde três linhas formam ângulos rectos.
A mosca alienada explode em gestos de bailarina.
A aranha envolve-a de vingança, corta-lhe as asas da liberdade e cala o zunzum da sua vida.
Asfixiada, morre a mosca abraçada pela outra que lhe tem um amor de morte.
Selva dos invisíveis (ou quase invisíveis)

4 de Novembro de 1994


De que é que precisamos?
Porque terei passado mais metade da vida a roer as unhas até aos ombros?

Há quem diga que terei passado alguns dias bons da minha infância a mendigar atenção, mimo e amigos como se esse ‘feedback’ fosse vital para que continuasse a arrastar-me nos meandros do mundo bolha que recebi para viver - dia sim, dia não - em palpos de aranha.

Podemos ter pais que lambem as crias com carradas de mimo e sermos invariavelmente carentes, como se fosse um vício sê-lo. Há uns anos deram-me um livro de Stig Dagerman cujo título avança de imediato que “a nossa necessidade de consolo é impossível de satisfazer”.
Não penso alongar-me no pensamento do senhor, mas S. Dagerman confessa que procura o que o pode consolar como o caçador persegue caça. Acho que é exactamente este consolo inconsolável que jamais será suprimido pelos inconformistas e inadaptados.
A não ser que sejamos muito agradecidos, que tenhamos a vida dividida por quadradinhos postos à frente dos objectivos, e que a cruz marcada nos dê um alento tal, que isso nos sossegue o espírito nos cale e adormeça.
Pessoalmente, nunca tive muita pachorra para listinhas com ar de teste americano, essa deve ser uma das razões pela qual sou uma sobressaltada desde pequenina.
No Jardim Escola levava Tuxas (umas bonecas da época antes da anorexia nervosa) para que as miúdas mais velhas brincassem comigo.
Elas abarbatavam-se das duas bonecas que tinha (cheias de curvas, uma loura, outra morena) e mandavam-me a um canteiro apanhar terra para alimentar aquelas matronas que se fosse hoje seriam consideradas umas barbies porquinhas. E, uma vez, com as bonecas em seu poder passavam a tratar-me como se fosse transparente.
Tenho que concordar que a política usada para travar amizades não era das melhores, mas já naquela altura não tinha grande opinião de mim própria. E acho que as mulheres e homens do mundo fazem-se assim, sem grande opinião sobre si próprios. E ao redefinirem-se, rasgarem-se e reinventarem-se para que ninguém veja como sofrem, talvez (ou não) saia do casulo uma borboleta.
E a razão de termos de sofrer tanto, sentir tanto e tão intensamente o que nos dão, a falta, a ausência?
Porque é que ainda não inventaram um comprimidinho que suprima este sentimento de orfandade que nos assola, imediatamente, se nos tiram o tapete do chão, que é a metáfora para a nossa necessidade de satisfazermos as nossas vontades mais e menos básicas?
É que já inventaram tanta coisa...
E não é que o placebo da coisa, em questão já iria ajudar um milhão de carentes...
Mas, falo por mim cheia de mazelas que por mais que puxe pelo meu sorrisinho “bandeira branca” não há quem dê por ele nos limites de uma crise existencial, na faixa dos trinta, este fenómeno começa a preocupar-me.
No último verão, por exemplo, o esticanço de tempo livre da indigência levou-me a descobrir que me faltava um disco da Colectânea “Essential” do Leonard Cohen.
Assim que me vi sem ele parecia que tinha ficado sem o braço esquerdo, aquele que me equilibra. Não descansei enquanto não o reavi, pagando. O Cohen faz-me falta, não queria perder por nada o paradeiro daquela “waltz” linda do compositor judeu, inspirada num poema do Garcia Lorca. Devo ter inclusivamente padecido de febre literária e quando tive o disco nas mãos beijei-o com afectuosa ternura, como se fosse a última maravilha do mundo.
Apesar da nossa vida não ser comparável a meia centena de canções sobre a vida, não quereremos sempre dançar mais e mais músicas ao sabor do vento?
Não será esse o busílis?
Diz Dagerman que o consolo é fugaz, “sopro de um vento que mal sobe pela árvore”

Terei que pôr mais na carta?

Não será já de si difícil o caminho para chegar a Garcia e entregar-lhe a carta?

Carência: Falta daquilo que é preciso; necessidade; privação

quinta-feira, janeiro 19, 2006

A catarse de um texto perdido


O meu blog está literalmente com problemas graves de ovários. Eu também.
Depois de ter investido as últimas quatro horas da vida directamente numa catarse hercúlea que misturava a minha vontade de querer romper com todas as amarras sociais que me apagam as palavras, com a dúvida de estar a fazê-lo, perdi o texto porque ignorei a parte de dever gravá-lo num documento do Word.

Como sou parvamente mística, estou plenamente convencida que foi um aviso, ou um castigo. As tentações do infeliz do Antão, ainda assombram a minha pobre cabeça.
Será o PC o canal entre o “Poltergeist” e a minha osmose com os demónios da estética cristã?

Estou a contar este aparte porque o texto anterior estava muito real. Tinha mandado quase todas as cruzes à vida, estava só a escrever pelo prazer lascivo de escrever, sem qualquer espécie de filtro, como o fazia antigamente.
Catarse total: Inspiro, expiro, respiro, suspiro. E se quiser até apanho um enjoo de suspiros e cavacas das Caldas. Crio um buraco mental dentro de outro buraco mental e escrevo as guitas e os cordéis literários que me apetecer...mesmo

Estava a dizer, cheia de propriedade que inventava uma nova receita:
escrever directamente no blog para que a catarse fosse mais genuína. Só que nem montanha, nem rato, foi tudo com os porcos, sem direito a auto-save ou a documento para os temporários.
Lembro-me que neste registo fui no texto anterior de braço de dado com o meu pai e o Fialho de Almeida a Cuba do Alentejo. Jantámos lá com o padre António Vieira e regressámos à nossa aldeia antes do cair do dia, porque o padre deita-se com as galinhas.
Se calhar vão dizer que me exponho demais, que ando a mostrar as feridas todas, que toda a gente deve ter um mundo muito secreto.
E imaginem se o meu dever é contá-lo....

Até os oiço entoarem em cânticos gregorianos: “Vais ver que te arrependes, sua tontinha infantilóide, nós damos-te cabo do canastro! ”

Mas a morte literária, até me excita...desde que não me ponha como a outra doida cheia de pedras nos bolsos. Mas essa era genial...
Isto faz-me sofrer, aquela mulher do nariz adunco ser genial, mas porque não hei-de dize-lo?

Ai, as regras, as regras...onde estão as regras?

Se estivessem aqui aquelas meninas da Mocidade Portuguesa diriam: “Isso não é nada bonito da tua parte, teres inveja da Viriginia Woolf”

Eu responderia: Não quero que seja bonito. Seja feio, então!

E o decoro, onde está o decoro?

Deve estar perdido junto com a chave de casa, que para variar não sei onde raio a meti.
Dava um bom tema. É lixada esta doença de estarmos a vida inteira a perder, ou a achar que perdemos coisas. Já perdi (ou achei) os óculos de ver, umas mil vezes, quando na realidade ao longo dos 25 anos de uso, terei perdido uns cinco pares. Houve inclusivamente uma vez que estive horas a ver se os farejava, e os óculos estavam dentro do forro de um sobretudo cujo bolso estava roto.
Quem me conhece sabe que se extrapolo da ficção para a realidade é porque a realidade é podre de boa! Como aquele pequeno “reality show” que marca a minha estreia no reino dos Nerds.
Ter levado os sapatos de quarto para a escola no sétimo ano, plus caixa de óculos é uma mistura explosiva. Viva, então, o Jardim Escola João de Deus que assistiu ao visionamento do primeiro par de óculos. Eram tão grandes para uma cara tão pequena
...
Será que toda esta violência estética bem no meio da minha cara, seria para depois saber saborear com mais sabor a recompensa?


Hoje fecho os olhos e volto apanhar o barco no rio cujas margens tinham búfalos cor de rosa e crianças cujos olhos riem à gargalhada.

Se o preço para vivê-la fosse andar de rojo, de gatas, de rastos, como uma versão da Jane D’ Arc a preto e branco só que sem a devoção divina, servia-me de bom grado de comer aos peixinhos para receber essa dádiva...isto é, senão a tivesse já recebido..

Isto de ser assim um bocadinho autista dá-me um jeitão enorme. No outro dia não deve ter sido por acaso que vi um programa sobre Autistas na 2 e às tantas aparecia lá um infeliz que só aos 50 anos, pai de filhos e netos, é que descobriu que padecia dessa merda. Claro que achei que seria perfeitamente normal que me acontecesse a mesmíssima coisa. Ora há pelo menos um livro, que já li mais de dez vezes e sou capaz de andar dias seguidos a ouvir a mesma música, ambos bons indícios. Adoro baloiçar-me em cadeiras de Baloiço, o que é outro sintoma. Por último consigo arranjar um acontecimento, do quotidiano ou histórico, para cada ano da minha vida.

Tudo isto apesar de em matéria de presidenciais, não ter absolutamente nenhum voto na matéria. Isso é bem mais vergonhoso e indecente do que um espectáculo numa casa de striptease. Lá ao menos as miúdas trabalham que se fartam e ainda têm tempo de ler o 24 Horas quando vão ao café e ficam a saber sobre o tema do dia. Se aquele Sebastião de Boliqueime desceu, ou não na célebre escadaria da Sondagem Real, ou se o senhor mais velhinho, que não é nem um bocadinho senil anda com a fundação às costas a fustigar Alegres e Sisudos, comunistas e outros que tais!


As pessoas não percebem o meu desinteresse e eu não consigo interessar-me.
Porque razão hão-de querer direccionar-me para junto do rebanho, se quero cabriolar à vontade na montanha ?


Isto porque no texto perdido disse que escrever é como pensar em hamburgers do Mac Donalds em plena ressaca e comer uma dúzia se for preciso....


É uma exposição do raio, que não é digna de alguém que queira dar-se ao respeito, além de que estou perfeitamente consciente que isto de escrever na primeira pessoa é um sinal de grande imaturidade.

E se gostar de ser imatura ?
E se decidir explorar esta falta como matéria prima ?

Hão-de ter muito a ver com isso...
O péssimo costume do mundo de se meter na minha vida. Agora chega dessa merda de uma vez por todas, estou farta de perder objectos, pessoas vivas e mortas. De não saber do paradeiro do carro, de morrer um bocadinho por não viver intensamente.

Se não tiver editora publico numa edição de autor. Travo as batalhas que tiver que travar, mas em matéria de escrita, faço o que me apetecer. Que se lixem as regras literárias! Vou buscar um bocadinho do Negro do cântico, cito Régio e grito em plenos pulmões “Não sei por onde vou, não sei para onde vou, só sei que não vou por aí”

quarta-feira, janeiro 18, 2006

O dragoeiro pariu, Bosch sonhou!


Acho que tinha oito anos quando fui pela mão da minha mãe ao Museu de Arte Antiga. Apesar de ter passado ao lado de muita quinquilharia barroca, entre lustres e pratos azuis pintados à mão com paciência de chinês e com cara de companhia das Índias. Houve, no entanto, um quadro que ficaria retido para sempre dentro das desorganizadas gavetas da memória, onde vou pondo o todo entulho que tenho recebido ao longo da caminhada pós Abrilista que já vai no seu trigésimo primeiro ‘round’ e que caminha a olhos vistos para o trigésimo segundo.

O tríptico “Tentações de Santo Antão” do pintor Jeronimus Bosch, desde essa altura que ficou tatuado num lugar recôndito do meu cérebro onde ficam cativas as coisas da vida que me impressionam.

Aos oito anos não tinha com certeza noção que o que estava ali à minha frente era o pesadelo de um desgraçado de um Santo a ser vilipendiado por uma série de tentações carnais espirituais e evidentemente marginalizadas pelos Santíssimos Ofícios. Naquela altura também não saberia que os heróis espirituais de Bosch eram todos Santos, que sofriam de tormentos físicos e mentais, e, que nem por isso deixavam de ser leais à sua causa.

Entre todos os Santos, o seu preferido era Santo Antão e deve ter sido essa razão pela qual o presenteou com este Tríptico. (não era nada fácil ser herói de um pintor como Bosch)
Ingénua fiquei agradavelmente atormentada com a cromática berrante da coisa. Desde os céus azuis a resvalar no turquesa no topo dos painéis laterais aos vermelhos e púrpuras pecaminosos envergados pelos vários seres diabólicos que habitam o painel central deste quadro (x 3) absolutamente devastador.

A minha alma ainda pequenina e esponjosa deve ter sido imediatamente “possuída” pelos bispos com cara de cães, pelos demónios anões e pelos vários sátiros que saem daquela gigante e vermelha fruta podre. Não fazia a menor ideia é que Bosch, à sua maneira, era um bocado toxicodependente, porque na calada da noite, chupava as sementes amarelas do Dragoeiro, aquela árvore demoníaca cheia de braços musculosos e possantes de onde se extrai uma resina chamada sangue de drago (o nome não deve ser por acaso).
Segundo a folha explicativa que descreve o quadro exposto no Museu de Arte Antiga, estamos diante de uma “inventada unidade de espaço que integra múltiplas cenas e narrativas que preenchem o painel central e os volantes laterais do território para um formigar de seres e de episódios que desafiam a nossa interpretação e que ocupam literalmente os quatro elementos do universo (céu, terra, água e fogo)”.

Nesta frase pomposa e técnica marcou-me o verbo formigar, porque é exactamente um “formigueiro” que se sente quando nos prostramos à frente da multidão de tentações. Porque caímos lá dentro como a Alice caiu naquele buraco, onde depois tomou chá com o Coelho e o Chapeleiro Louco. E coincidência ou não, Lewis Carroll fartou-se de drogar a Alice. Com frasquinhos, cogumelos mágicos e vá se lá saber mais o quê. A identificação deve ser por isso. Talvez a Alice, coitada, seja uma espécie de Santo Antão atirada aos bichos, neste caso particular ao Lewis Carroll, que há quem diga que era um pedófilo nojento.

Como estamos de novo no patamar da tentação, regresso ao Bosch e às respectivas alucinações de Dragoeiro.

Personagem principal:

Santo Antão, ou seria Alice?

Espaço:

Céu, terra, água e fogo. A cor do céu é indiscritível.

Acção:

Um santo no ermitério a ser massacrado por demónios e homens com cara e pernas de bicho.

Ala esquerda:

Os demónios agridem-no, batem-lhe, atiram-no ao ar como se fosse uma bola de futebol e chutam-no para o chão. Assiste impávido, um sátiro com cara de camponês medieval, ou seria a padeira de Aljubarrota?

Ainda na excursão “temptation” está um pássaro com orelhas de cão, ratos com escamas, ovos de onde saem uns gémeos de bico. Pretos retintos.Passeiam também por lá um bispo de vestes encarnadas com cara de veado e uma carroça pescada de rabo na boca cujo lombo leva um pináculo de Catedral. Será que vai a cantar “ A Pedra Filosofal” de António Gedeão?

Painel Central:

Segundo Bosch não seria no centro que está a virtude, uma vez que a sua pincelada alucinada confrontou aqui o Santo com a pior das provações: A do abandono da fé. Apesar de eu não perceber, quem abandona quem!

É preso dentro desta catacumba diabólica que Santo Antão tem olhado a humanidade, ao longo dos últimos cinco séculos, enquanto aponta para uma dupla representação de Cristo escondida numa ruína.
O quererá isto dizer?

Que Cristo nos abandonou, ou que somos nós que o escondemos nas ruínas?

Se somos responsáveis e demos o sumiço ao Cristo pregado na cruz, então a invasão da terra por esses demónios aparentemente fantásticos, filhos de alucinações de dragoeiro fará mais sentido.

Ao fundo o povoado arde, tudo se esfuma.

"Ashes to ashes, funk to funky, We know major tom’s a junkie”, canta D. Bowie.

Lá voltamos ao mesmo.. Será que Bowie é a reencarnação de Bosch?

Ala direita:

Tentado pelo pecado da carne e da gula, Santo Antão que estava a tentar concentrar-se na sua leitura, vê-se rodeado de bocados de carne, de corpos disformes sem cabeça, alguns com rabo de rato. Uma mesa sustentada por um bacanal de despidos, uma ratazana que apunhala um interveniente da orgia, a raiz de uma árvore envenenada da cor púrpura do Pecado.Ao longe travam-se batalhas, explodem diques. O mal entra terra a dentro e afoga um cavalo com a água porca e contaminada. Deve ter sido essa merda que deu origem à peste negra. vejo de novo o azul turquesa onde os meus olhos finalmente repousam. Vou à boleia com um casal de camponeses que fogem, VOANDO a cavalo num peixe.

Será que foi com o neurónio esquerdo massacrado pela broa gigante do Bosch que me deu para perguntar a um padre quem é tinha sido o avô de Deus?

Tinha oito anos.


sexta-feira, janeiro 13, 2006

TREZE gatos pretos espraiados ao sol numa sexta-feira 13

Estamos constantemente a aprender. Não tenho dúvidas nenhumas em relação a esta aprendizagem galopante que se vai materializando quando Deus quer e não está distraído.
Como adoro ser surpreendida já dei umas quantas gargalhadas por causa da imprevisibilidade da catadupa de situações meias estrábicas que se desenrolaram hoje pela manhã.
Ora estava eu toda contente no meio da rua a magicar só coisas boas sobre o número 13, quando me cai um jacto de água na cabeça. Eu a achar que isto de se atirar água e dejectos para a rua era uma coisa porca e medieval, aprendi às próprias custas que é um acto tão contemporâneo, como vermos alguém do sexo masculino de costas viradas para a parede a fazer xixi. E pode acontecer seja que dia do mês for 13, 14 ou 15....
A parte engraçada é que só para contrariar estava preparadíssima para escrever sobre a minha devoção pelo 13 às sextas-feiras...
Para não ser parva, tive que deslocar-me duas vezes seguidas (e a pé) ao mesmo sítio, porque me esqueci de metade papelada. Mas aqui que ninguém nos ouve, estas trapalhadas de me esquecer da cabeça em casa, não têm nada a ver com o facto de ser sexta-feira e 13.
Diz o professor Moisés Espírito Santo, hoje no “Metro”, que “a sexta-feira e o número 13 já são maus por si só. Quando se juntam, então é que as coisas ficam pior”
Apesar de a princípio não concordar nada com a brincadeira deste senhor e andar a ver aqui na rua se via um escadote para passar por baixo, um gato preto para levar para casa, só para chatear, acabei por tomar uma banhoca, sabe-se lá do quê.
Em vez de averiguar o que seria, e, provavelmente vomitar-me toda a seguir, tomei segundo duche e esfreguei-me toda até ficar com marcas encarnadas pelo corpo de uma ponta à outra. Este efeito secundário, podia parecer-me bruxaria, se fosse facciosa, mas se é exagero, é um exagero literário.
No banho estive a pensar como sou uma miúda cheia de sorte e lembrei-me da primeira entrevista que fiz na vida. Que foi exactamente a esse Moisés Espírito Santo. Depois dele ter percebido que era uma novata naquelas lides, começou o seu monólogo sobre as profecias milenaristas. É que estávamos em 99 e como canta a Calcanhotto “anunciaram e garantiram que o mundo ia-se acabar...”
O ponto alto da conversa, foi o professor a praguejar que “os media podem encontrar três pessoas no Guincho a assar uma galinha durante a noite e dizer que há ali uma seita demoníaca.”
Acho que em relação a este dia desgraçado passa-se exactamente a mesma coisa. Até porque temos sempre que responsabilizar alguém pelo males que nos escarafuncham a vida.
Depois de uma pesquisa “copy, paste” na página www.quediaehoje.net descobri a razão pela qual a sociedade ocidental considera o 13 símbolo de desgraça. É que curiosamente era este o número de comensais que estavam a participar naquela que iria ser a última ceia de Cristo. Depois, azar dos azares Jesus morreu numa sexta-feira. Foi com certeza esta a conjuntura que votou o 13 ao ostracismo.
Como há gente para tudo, há quem se prive de viajar (até de burro) neste “santo dia”. O exagero é tal que existem hotéis que não fabricam quartos número 13, e fazem um mariquinhas de um 12-A. 12-A, é um bocadinho demais. Nem é carne nem é peixe. Pessoalmente acho que tinha uma insónia bruta num desses quartos híbridos.
A história de não se juntar 13 pessoas à mesma mesa com medo que qualquer um dos convivas vá desta para melhor, como aconteceu com Jesus é de tal forma um clássico, que não conheço ninguém que o tenha feito e se tenha safado.
Se sexta-feira 13 é tida como um dia de azar ou sinal de infortúnio, voto no resto do mundo que o considera um bom agoiro. Mais bem tratado na Índia, o 13 é um número religioso muito querido do povo hindu. Os pagodes hindus apresentam 13 estátuas de Buda. Já na China, os dísticos místicos dos templos são encabeçados pelo 13. Também a primeira leva de mexicanos primitivos prezavam 13, considerando-o mesmo algo santo, adoravam, não uma, nem duas mas 13 cabras sagradas.
Gosto do 13, de ver treze gatos pretos espraiados ao sol numa sexta-feira 13. gosto de escadotes e bolinhos da sorte chineses. Tenho é que confessar que esta semana comprei dois pares de óculos escuros por 20 euros a uma cigana, porque ela disse que se não lhos comprasse, ela ficava com o negócio enguiçado e eu com a vida. Com tudo pela hora da morte, paguei quatro mil escudos por alguma paz na vida, têm que concordar que nem foi um mau negócio....

quinta-feira, janeiro 12, 2006

UNDERSCORE

“O Risco Profissional a longo prazo de fazermos espectáculo de nós próprios consiste em, a dada altura, também comprarmos o bilhete.”

Thomas McGuane Panama

A ansiedade é um daqueles flagelos completamente ignorado que atinge milhares de inocentes (talvez milhões) em toda a humanidade.
Aprendemos desde pequeninos a dissimular a ansiedade. Aos mais privilegiados, o núcleo familiar e às vezes até malfeitores começam por dar chocolate envenenado, entre outras compensações, livros, playstation, cáries dentárias, obesidade...etc.
Às meninas as mães dão roupa e gelados de vários sabores que se derretem na boca (a minha pelo menos dava), aos rapazes dão-se pressões de ar para que aliviem a raiva nos desgraçados dos passarinhos que nem sequer têm culpa dos deslizes e da idiotia dos seres humanos.
Por outro lado, é quase uma demonstração de fraqueza o dito sentimento cair-nos do colo perante as outras pessoas sejam elas amigas, inimigas, híbridos ou ratazanas. Somos desde sempre instruídos de que ansiedade é coisa para franganotes, por isso forçamo-nos a andar a ruminá-la (como bois com a boca cheia de erva) de um lado para o outro.
Então, a ansiedade acaba por ser isso mesmo, uma indigestão muito mal feita. Se calhar é por causa disso que há pessoas que sofrem com úlceras nervosas e depois têm que ir à faca para as tirar. Isto arrepia como o raio!
As pessoas andam a vida inteira a tentar aprender a ser adultas. Engolem o drama fazem um grande sorriso e vão às suas vidas.
Lavam a loiça, passam a ferro, fazem bolos, despejam cinzeiros, se tiverem cão, passeiam o cão.
De preferência devem ser tarefas que exijam esforço físico e não mental, porque o ansioso raramente consegue concentrar-se no que quer que seja. Talvez faça um “zapping” inconsciente em que carrega freneticamente no telecomando. Mas, mais do que ver as imagens fugidias que lá passam, arranja um grande calo no dedo escolhido para emitir a ordem de mudar de canal.
Pessoalmente, prefiro investir em programas alternativos a ver se me esqueço do assunto que mais lateja nas concavidades da minha pobre cabeça.
Compro livros do tarado do Bret Easton Elis cuja literatura é tão disforme, ‘junky’ e nojenta que vai ocupando os poucos neurónios que ainda consigo ter sem ocupação e pô-los em marcha, “wich is good!”
Ansiedade por ansiedade faço cálculos matemáticos com o intuito de contrabalançar aquela descompensação que me põe o nervo da pálpebra direita tremer, que nem uma neurótica a ressacar qualquer coisa forte. Muito forte. Dou grandes passeios a pé, pendurada no cachecol, como se este fosse uma liana da selva do Tarzan...
Como já disse aqui um leitor, atento, devidamente identificado: “O ócio que tantas vezes nos inspira, também pode impedir-nos de escrever”.
Talvez não seja o ócio, o que nos impede de escrever, mas a ansiedade criada, quando descobrimos que viver pesa, e não é pouco. Só o descobri esta manhã (ao meio dia) quando estava a planar sobre as nuvens a caminho de Monte Abraão. É preciso que se note que as nuvens estavam lá em cima, enquanto, eu estava à boleia do combóio suburbano. Ao vê-las em forma de cogumelo a assombrar as milhares de barracas semeadas nos arrabaldes de LX, senti uma vergonha enorme por não saber controlar as minhas ânsias comezinhas de barriguinha cheia. Fechei os olhos dei de caras com o calor e pus a tromba a jeito a apanhar sol!

ANSIEDADE: dificuldade de respiração; opressão; angústia; inquietação de espírito; desejo veemente; impaciência.

terça-feira, janeiro 10, 2006

À martelada

O mundo às vezes enfurece-me como se fosse tudo imundo e eu fosse muito limpinha.
A verdade nem é bem assim...
Por causa de levar muita penicilina, tenho a cabeça cheia de veneno e embora nem faça questão disso, é como se tivesse cá dentro uma Medusa cujas cabeças falam que se desunham e não param de fazer considerações sobre o que quer que seja.
A vida continua e apesar dos apesares tenho conseguido aguentar-me sem ter a necessidade de me pôr por aí à martelada.
Num destes dias um velhinho francês de 77 anos foi preso em Paris depois de atacar um urinol de porcelana branco de autoria de Marcel Duchamp no Centro Georges Pompidou.
A obra “violentada” é uma mais representativas da arte Dada em França. O homem atracou-se a ELA com um martelo. Segundo a noticia publicada pela BBC ele já teria usado o famoso urinol em 1993 para satisfazer as suas necessidades fisiológicas quando esta peça estava itinerante numa mostra em Nimes.
A chamada “Fonte” datada de 1917 estava incluída numa grande mostra de arte dadaísta. O velhinho provavelmente não gosta desta vanguarda do século XX, ou então talvez seja filho bastardo do Duchamp e tenha raiva do pai.
Na versão oficial, o “agressor de urinol” diz tratar-se apenas de uma performance artística e que o próprio Duchamp, lá onde ele estiver estará a bater palmas de alegria por tamanha intercepção artística.
Agora pergunto estará o senhor muito mais à frente por interagir livremente com o objecto artístico?
E nós a massa humana, não estaremos a coibirmo-nos de uma série de actos inglórios por causa da hipócrita ordem vigente que se mantém à conta de corrupção, entre outras figuras de estilo como metáforas, hipérboles, pleonasmos...etc...
Gosto da arte Dada, mas espero que não deixem o desgraçado do senhor a apodrecer na prisão. Dêem-lhe uma cana e ensinem-no a pescar!

Mobbing Alberto

MOBBING
IS...
EMOTIONAL ABUSE in the workplace.
"Ganging up" by co-workers, subordinates or superiors to force someone out of the workplace through rumour, innuendo, intimidation, humiliation, discrediting, and isolation.
Malicious, nonsexual, nonracial, general harassment.



Tenho a certeza. Já não há nada a fazer. Escuso de começar a falar de batatas ou de morangos. Bossa nova que seja, já não vale a pena. Vou dedicar-me a isto de alma e coração. Sinto que é importante, que a polícia depois de ouvir esta cassete compensar-me-á por ter contado a verdade.
Sei que andam a ouvir-me. Ouvem-me sempre, mesmo quando não falo. Peço que me desculpem, tenho esta tendência idiota para ser poética, mas vou deixar-me de devaneios e contar-vos tudo.

Tenho o telefone sob escuta. A tendência seria entrar em pânico, mas como estou mais ajuizada, decidi confessar o meu crime enquanto como (de comer) uma caixa inteira de bombons que não eram meus, mas passaram a ser, roubei-os no dia de Natal.

Estou viva ainda e isso basta-me. Basta-me se não me chegarem a roupa ao pêlo. Se não vos deixar órfãos de história de repente.
O morto era mau como as cobras, mas ninguém dava por isso. O homem era só sorrisos e facilidades. Ainda por cima, tinha a mania que tinha graça.


História

Chegado a uma empresa do ramo automóvel em expansão, Alberto conquistou os quadros com ideias criativas para alegrar a barriga.
Era o gerente de pequenos delitos (auto rádios, retrovisores, faróis etc..) e ascendeu na carreira ao posto de director de projectos especiais: Ferraris e Porsches para traficar diamantes.
Íamos aos magotes de carro a caminho de Cascais, Boca do Inferno, à procura do cachorro quente.
A vida nessa altura parecia feita para desventrar devagarinho, sem muita violência. Andávamos cheios de genica, queríamos todos aprender com ele como se fazem piruetas com carros topo de gama. De um dia para o outro, Alberto tornou-se o nosso herói. Principalmente para algumas pequenas, que achavam aquela sua moda das calças justíssimas (normalmente tinham um touro de marca no rabo, ele devia identificar-se com o animal) a atrofiarem-lhe o falo, uma atitude desportiva e sexy. A legião de costureirinhas de estofos até tinha um clube de fãs.
Só que uma vez ganha a confiança, começou tudo a descambar. Estranhámos, quando nos pediu que acabássemos com a feira do Relógio (deve ter sido ele e os amigos gabirus que a conseguiram mudar de sítio) porque a mimada da criancinha tinha pesadelos com a voz estridente dos feirantes a montar a tralha às quatro da manhã. Mas o pior nem sequer foi isso, o caos instalou-se quando o Alberto começou a confundir a vida pública e a privada. E a sua mulher com o resto da humanidade.
Ao princípio estávamo-nos todos nas tintas para que o desgraçado tivesse sido encornado até à medula óssea, mas quando cada mulher que lhe passava à frente passou a ser uma grandessíssima “íssima”, aí o caso mudou de figura.

Corno de Póquer

Dissimulado e cínico, o mau da fita que graças ao meu tempero está a fazer tijolo, tinha a lata de nos convidar alternadas para ir ao café. As propostas variavam entre o indecente e a filha da putice. Entrou em pé de guerra com uma data de gente, desatou a desejar que às meninas grávidas nascessem filhos anormais, entre outras coisas sanguinárias que ele aprendia quando jogava póquer, bebia Moët Chandon e comia pataniscas de bacalhau.
Os dados de jogar ainda têm gordura encrostada, parecem uma obra de arte nojenta feita por aqueles tipos da pop art que têm a mania de misturar comida em tudo.

Quando as coisas começaram a aquecer, ficava completamente enojada quando o via com o seu falo atrofiado a lutar contra a bainha dos jeans, enquanto ele, se ria das desgraças alheias. Nessa altura pensei que alguém deveria escrever-lhe uma carta com o seguinte texto:

“Solta a próstata, dá-lhe espaço” ou talvez num tom mais arcaico, “ Soltai o bicho, dai-lhe espaço. Se não o fizerdes talvez venhais a arranjar um problema sério na próstata.”

Isto nem sequer está provado, mas o propósito era só pregar-lhe um cagaço. Para vingar os milhentos cagaços que ele me pregou por causa dessa mania idiota dos homens com problemas de ejaculação precoce exacerbarem o seu poder sobre os desgraçados dos subalternos (principalmente se forem mulheres).
A história do Alberto dava um livro de quadradinhos. No mínimo. O seu corpo, no entanto, rendeu-me um mês, ou dois de refeições (porque fartei-me de convidar gente para o comer também) no inverno passado.
Cozi-o, grelhei-o, escalfei-o, cortei-o aos bocadinhos, dei-o de comer aos peixinhos (palhaço e dourado) e braços e pernas em salmoura a macerar....
Deve ser por isso que gosto tanto do filme do Almodóvar “Que fiz eu para merecer isto!?”. Adoro quando a Gloria (Carmen Maura) serve ‘su esposo’ ao polícia, que curiosamente era amante dela. Sem faca nem garfo!
Influenciada também pelo conto do escritor norueguês Roald Dahl “Lamb To Slaughter”, e pelo filme também nórdico “Carne Fresca Precisa-se”, atirei Alberto para dentro de uma arca frigorífica gigante que estava nos calabouços da Fábrica de carros roubados, onde estagiámos para entrar no maravilhoso mundo do crime. Depois foi só fatiá-lo como se ele fosse bocados de rosbife.
Se um dos bófias que estavam a investigar o caso, não se tivesse engasgado com a minha sopa de rabo de boi que na realidade era o dedo mindinho do Alberto que tinha guardado para umas sopinhas, nada disto teria acontecido. Só que agora o meu telefone está sob escuta e a minha cabeça também.
Sinto que mais tarde ou mais cedo virão buscar-me. Apesar de não ter amigos na choldra, sei que só por estar a gravar esta cassete (apesar do gravador ser velho e roufenho) terei com certeza direito a atenuantes.
Agradeço de um quarto em quarto de hora o facto de estar viva.
Os seus amigos da Brigada Mobbing (B MAID) da Associação legal do Póquer andam montados em moto quatros à minha procura. Eu ando a monte...Vinguei todos os trabalhadores atacados, sujeitos a situações humilhantes e constrangedoras. Todos os trabalhadores rebaixados, oprimidos, ofendidos, inferiorizados, vexados e ultrajados pelas acções daquele filho da mãe
Eu comi-o com legumes, salteados, arroz de manteiga.
Em forma de sopa,
Mas nunca, nunca com batatas fritas.
(..)
O texto anterior apesar das intenções literárias teve todas as semelhanças com a realidade. Os Albertos existem são maus como as cobras. As cobras ao pé deles são animais de estimação!

sexta-feira, janeiro 06, 2006

WAVE, waves

Ando feita doida a calcorrear a baixa de Lisboa. Sem cheta nenhuma, limito-me a fixar as cantarias, as janelas abertas, as montras mais bizarras, os ratos do ar que nas suas acrobacias fazem razias na "pinha" dos transeuntes. Vejo-os quando procuro nesgas de azul que sobram no céu cinzento.

Amanhã chove de certeza, talvez hoje ainda. Não gosto nada de janelas de alumínio e de vidros duplos, além de tirarem o cachet aos velhos edifícios, impedem-nos de ouvir o barulho da rua, que inclui o de todos os tipos de chuva, o canto dos pássaros de madrugada, as buzinas a digladiarem-se umas às outras, os bêbados que cantam quando a noite vai alta, as notas das concertinas dos músicos anónimos da rua e tantos outros barulhos anónimos.

Quando era pequena o meu avô perguntava-me de que cor era o cavalo branco cuja garupa leva com o peso do Dom José no Terreiro do Paço, depois desatava-se a rir. Gosto de lá ir, e ver que pelo menos ali o cavalo enverga uma melena verde verdete.

Sigo um bando de gaivotas que sobrevoam o Tejo. Hoje, prateado a reflectir esta cor impotente, que se entranha na pele e rapidamente se transforma em nostalgia.
Vejo-as mais à frente a perfurarem a migalha que os meus olhos têm do bugio. Um ‘looping’ suicida no meio mar. O oceano transparente a desfazer-se em ondas.
Simples. Sem merdas. Única e exclusivamente para eu o ver. Por mais funçõezinhas que carregue, além de já ser o “Albergue do Anjo da Guarda” dos peixinhos.
Quero, agora, ter uma ideia romântica do oceano, livre de catástrofes naturais ou desastres ecológicos. Free oil: Sem pelicanos a despencar as suas vidas na cola preta do crude, vertido por um petroleiro, igual aquele que vejo empoleirado na linha do horizonte. Infelizmente ultimamente os oceanos andam tudo menos livres desse ranho nojento e hediondo, ao menos na minha cabeça, haja uma paz fictícia por momentos....
Apesar do pirismo inerente aquela Petula Clark que manda os solitários para “down town” deve ter visto com certeza a baixa de Lisboa em alguma fotografia ou postal. Aquela tirada, então, do “Just listen to the rhythm of a gentle bossanova” deve ser por causa do compasso dos passos das pessoas quando chegam das suas vidas via cacilheiro para se enfiarem na balbúrdia da cidade.
Eu se pudesse....fazia o caminho ao contrário, ia mar a dentro dançar o 'mambo jambo' com o Adamastor e restante corte de monstros marinhos e fazíamos uma 'jam session'...

Ia a cantar a “wave” do João Gilberto, aquela parte que é assim: “agora eu já sei da onda que se ergueu do mar e das estrelas que esquecemos de contar, vem de mansinho a brisa e me diz, é impossível ser feliz, sozinho”
Eles (os monstros marinhos) nada habituados a sentimentalismos idiotas transformavam-se todos num nenúfar gigante a perder de vista....
Agrada-me esta particularidade da baixa que sem tirar os pés do chão, mas sempre com a cabeça no ar...consigo ir e vir da Cochichina enquanto o diabo esfrega um olho…

quinta-feira, janeiro 05, 2006

Inspiro, expiro

Escondo-me e escondo-me atrás das carapaças que invento, para que não se note que sou apenas uma folha amarelada distraída, mesmo a jeito de levar um piparote...
A vida extrapola a escrita, a escrita, à sua maneira, extrapola a vida...
Se finjo ser uma sanguessuga, sou sugada sem dar por isso e às tantas sou o próprio Pinóquio nas entranhas da Baleia...
Infelizmente não vou desnorteada à procura de Gepetto, mas talvez à procura de norte, mas está tão escuro e o hálito quente da Baleia adormece-me as pernas de madeira como um soporífero que sabe (de sabor) a limonada cor de rosa como tomavam os Von Trapp na Música no Coração.
O oceano embala-nos a ambos, será este o ventre de Moby Dick, a baleia assassina?
Se continuar a dormir desta maneira vergonhosa jamais descobrirei o verdadeiro espectro que me leva pelo mar adentro e que me transformará para sempre num azul, azul
demais... desde que seja em paz...
Inspiro, expiro

Na Garupa da Serpente subterrânea

Gosto das viagens de metro. De olhar a cara das pessoas através do seu reflexo nas janelas, quando a grande serpente subterrânea está já no escuro. Gosto de imaginar que vidas terão, que aspirações acalentam, quando na realidade só tenho acesso aos títulos dos livros que lêem, se os estiverem a ler.
Gosto de me lembrar se já li esses livros, o efeito que tiveram sobre mim, a forma como se impregnaram na minha vida, os conselhos que me deram, as armadilhas em que me impediram de cair e os amigos ocasionais que me proporcionaram.Gosto de ver quem é que na massa humana carrega sacos, que linguagem fala, ou se comunica através da gestual. Gosto de ouvir as sonoridades das línguas e dos dialectos. Gosto quando falam de África, do Brasil ou da Cochinchina.Gosto de boinas, de chapéus, de lenços, de burkas e de chapéus de chuva. Tento bisbilhotar se ouvem Ipod, MP3, discman, ou carregam consigo um velho walkman do século passado.Gosto de ‘piercings’, de brincos, de pares, de ímpares, dos velhos barbudos que parecem perdidos (ou achados) no mundo. Os casais de velhinhos de mãos dadas então, inspiram-me uma ternura enorme.
Gosto de responder se me dizem que está frio, ou que têm reumático nas pernas. Gosto das cores do metro das faunas várias se cruzam e sentam alietoriamente nas carruagens que compõem o corpo da serpente subterrânea. Gosto de olhos rasgados asiáticos, denarizes achatados, de aduncos e de abatatados. De todos os cabelos. Da loura platinada ao calvo, passando pela juba afro, ao preto escorrido, mas também do louro eslavo.
Gosto de lhes sorrir se têm um ar cansado, gosto de gostar das pessoas e constatar que fazemos parte de um bolo cultural gigante com as suas rocas e fusos. Mas todos comungamos da mesma ânsia, a espera de que o metro regresse e que nos leve de volta a casa.Sinto-me impotente quando vejo pedintes no metro (são cada vez mais) e não tenho um tusto furado. Gostava de comprar mais a Cais.
Às vezes quando mudo de linha, gosto de “perseguir” pessoas anónimas, nem que seja por causa de um fio de cabelo mais desalinhado. “Ganho” se a pessoa em questão entrar na carruagem escolhida por mim. A única regra que impus é ser eu a entrar primeiro na carruagem para que o desafio seja maior. Se por acaso ganho esta brincadeira silenciosa e infantil fico à espera de um sorriso ou de uma expressão da “vítima” que me lembre uma música ou um filme e que me transporte até à casa da partida. Apesar de parecer um bocado vampiresco ainda ninguém se queixou!