sexta-feira, fevereiro 13, 2009

Vou

Vou contar-te uma história. Talvez não chegue a contar mas gostava. São sempre macabras ou muito comezinhas. Não há meio-termo. Depois os dias no meu quotidiano empurram-me para cenas mesquinhas de cacaracá e eu não tenho tempo. Não tenho tempo de fazer aquilo que mais gosto. A cena mais individual da vida. Aquela que é difícil que te expõe, que ficas transparente, nu com as entranhas de fora. E depois se ninguém gosta?
Se achar que sou má, não faço puto.
Desculpas esfarrapadas dir-me-ão. Eu baixo a cabeça e faço uma vénia, conveniente.
Há uns dias estava a ler um livro realmente mau, e disse para os meus botões, vou lá voltar, para um chichizinho neste canteiro do mundo.
Ninguém dá por mim. A vida em directo é isto, podes sempre mudar de página. Se achares que estou a ser crua e amarga, há montes de páginas cheias de ursinhos de peluche de olhos tortos, mensagens com dizeres amorosos a três dimensões. Acho isso tudo muito ridículo, feio até. Mas por detrás deste muralhão da China empedernido gosto tanto de xi corações.
E mato-te, ou morro por ti?
A greve de fome fez-me ficar esperta, eu que gosto tanto de cañas e tapas, contento-me com migalhas rançosas do dia anterior. Um drama de faca e alguidar. Ou isso, ou enveredo pelas buganvílias da janela da minha infância, com famílias inteiras de passarinhos a chilrear pela manhã. Lembro-me daqueles sábados preguiçosos em que não sabia ainda o que era passar a manhã inteira na cama. Acordava às cinco da manhã e punha-me a ler Enid Blyton debaixo de uma lâmpada a meio gás que me fez ficar ainda mais pitosga.
Isto de acharmos que enquanto crianças é que éramos promissores é um bocado de vómito. Mas não vou seguir regras só para ficar bonitinho, para ser politicamente correcta. Se calhar vou voltar aqui mais vezes em vez de rasgar os papelitos e enfiar tudo timidamente nos confins da gaveta, afinal podes sempre dizer em última instância que eu não presto para nada. E mesmo assim meto prego a fundo e vou por aí na mesma. A vida lá fora aguarda-nos!

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Má muito má era a menina que enfiava os papelinhos no fundo da gaveta, a cena mais individual da vida. A menina que ficava com as entranhas de fora, nuazinha como veio ao mundo, era boa. Tão boa que os ursinhos de olhos tortos se contentavam com as migalhas rançosas do dia anterior.
As buganvílias já deram flor, não vale a pena matar ou morrer. Ir por aí viver a vida, sim. Confessá-la como Neruda, também. Ainda bem que voltaste. Com ou sem gatos, calça as botas e ... vai!

Não sou cabra, mas tenho a mania que sou uma quimera...

12:48 da tarde  

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