segunda-feira, outubro 23, 2006

Erotismo e jornalismo de mercearia

Humor, sadismo ou sexo puro e duro não sabia por onde devia enveredar.
Felícia a filha da merceeira da minha rua andou a VIAJAR por entre blogs onde rapazes e raparigas, (ou seriam raparigas que se fazem passar por rapazes ou rapazes que se fazem passar por raparigas?) contam desabridamente as suas vidas, ou serão só fantasias nunca praticadas?
Ao pé desses poetas da alcova, sentiu-se cobarde. E de repente quis fazer parte daquele mundo nu, em que ninguém sabe o verdadeiro nome de ninguém. Ao menos não é como aqui na puta da rua, que mal saímos do vão da porta do prédio parece que entrámos no edifício da polícia judiciária. Só que neste caso específico, cada um já tem o seu cadastro de bairro. Olhares perscrutadores despem-nos de passagem.
Neste ambiente porque não havia Felícia de abrir as pernas também?

Abastada de carnes, a mãe da Felícia é a dona desse precioso estabelecimento onde reinam as hortaliças e as couve flor. Não é muito simpática, mas parece uma autêntica agência noticiosa com as devidas equivalências. Em vez de opas e de conflitos no médio oriente, discute o preço do feijão frade, violência doméstica, divórcios, casamentos e gravidezes existentes em cada prédio deste quarteirão. A sabedoria dela dava-me um jeitão
Não admira que a filha, com os progressos da tecnologia, lhe siga as pisadas com mais nível e sobretudo com mais cibercultura. É que à força de tanta escandaleira e documentação a pobre Felícia quer ser jornalista. Tentei demovê-la, mas não quis ouvir-me, quando lhe disse que o jornalismo em suporte de papel tem mais probabilidades de extinguir-se do que a caça que existe desde a pré-história. Há inclusivamente jornalistas que gostam de caçar e se não os deixarem escrever, eles numa de retaliar vão desatar aos tiros e esquecem-se com certeza que já foram jornalistas.
De cara caída Felícia confessou-me que se isto do jornalismo não tem futuro ela hesita entre ‘pop ‘ou ‘pornostar’ da literatura. Fiquei sem palavras quando anunciou que o sonho que reservava para aquele dia era ter a coragem de se tornar uma Hilda Hilst da blogosfera da língua, portuguesa, convenhamos. De origem brasileira, a senhora era uma safada mesmo, mas já está fisicamente morta. E ela com a ajuda da mãe cá estaria para seguir aquele trilho da libertinagem.
A nova Lori Lamby das Avenidas Novas. A internet estreita mesmo os mundos! como é que a filha de um projecto de alcoviteira conhecia uma escritora polémica e morta. É nestas alturas que tenho a certeza que andamos a vida toda a subestimar os outros.
Podia abrir até ao umbigo os botões da blusa de seda, fazer aquele beicinho cretino de menina mimada que vai começar a soluçar ou a ganir, mas seria tão ordinária como todas as outras que considera ordinárias. Pensei, mas não lhe disse há que manter a diplomacia. Além disso revela alguma maturidade.

Bastante hesitante, Felícia, ainda não sabe que caminho escolher, mas a pedido de alguns familiares sem qualquer parentesco com as elites, que lhe exigem que os sustente, vê-se de repente obrigada a tornar-se uma Barbara Cartland, picante, sem papelotes, nem caniches ou laçarotes.
Num cruzamento vadio há uma seta feita de látex preto e branco que lhe indica os calabouços da literatura erótica, e outra escrita a cor de rosa fluorescente que a avisa : porta-te bem!


Ora se, se portar bem não pode subir a saia acima do joelho. Fica assim a salivar sobre isso porque a inconstância provinciana a que está agregada deixa-a feita estátua, como aquele jogo idiota que brincava em criança.
Ainda hirta e imóvel pensa naquela possibilidade muito defendida pelos escritores de alto gabarito de escrever na 3.ª pessoa do singular.
Digo-lhe que faça isso “segura e natural”. Que uma amiga já me havia aconselhado a fazê-lo, atormentando-me, que “só assim filhinha é que te tornarás uma verdadeira escritora”. Verdadeira já me tornei, agora escritora nestes dias de compadrio, é um osso duro de roer.
{Agora que me lembras disso Felícia, deixa-me interromper a tua história por um bocadinho, para, comovida, agradecer a quem teve a generosidade de partilhar comigo a dica. Que só serei verdadeiramente escritora quando me debruçar sobre ela e elas ou ele e eles.}

Podia garantir-vos que a partir de hoje as piadas difundidas daqui da rua diriam apenas respeito a 3ªs pessoas do singular. Lamento desiludir-vos mas não poderei fazê-lo. Felícia chamou-me à razão dizendo que se Christiane F., Sylvia Plath escreviam na 1ª pessoa, nós também poderemos fazer o que nos der na real gana.
Agradeço-te querida Felícia por me teres chamado à razão. Apesar de me chamar Jessica Coelho e pertencer à Associação de Coelheiras da Baixa da Banheira, sou bastante céptica em relação a carneiradas. Prefiro como Scarlett O’ Hara comer rabanetes crus com a cara cheia de lama. É uma fantasia sexual como qualquer outra. Pede se fazes favor à tua mãe que me pese meio quilo para o pequeno almoço.
A carreira jornalística de Felícia vai bem melhor do que a minha. Jurou-me a pés juntos que se tornou amiga íntima da atrevida Cidália e do considerado António Sousa Homem, ambos colunistas da NS, revista que sai ao sábado com o Diário de Notícias.
Ignorou-me cantarolando quando lhe disse que ambos eram pseudónimos de outras pessoas, e está convencida de que a irão ajudar muito. Seja como sopeira das redacções (a mãe fornece-lhe a hortaliça) ‘pop ‘ou ‘pornostar’ da literatura.
Ao longo deste último ano quero agradecer a todas as pessoas que tentaram ajudar-me e não conseguiram. É incrível como sete anos depois de me licenciar em comunicação social, a minha profissão está em vias de extinção.
Tanto eu como Felícia gostávamos muito de poder escrever. Sinceramente, acham que é pedir muito?
Aguardo ansiosamente pelas vossas cartinhas.
Bem hajam Jess.

3 Comments:

Blogger JCA said...

UFF!!
Grande texto,para uma coelha.
Parabens.

6:16 da tarde  
Blogger Mary Poppins said...

obrigada, mas bom, bom é que textos como este dessem frutos sucolentos. Such as
um trabalho dinâmico e criativo, que isto de alimentar um blog a pão de ló não dá para o meu sustento!

8:09 da tarde  
Blogger SkinStorm said...

Jessica não desistas! Se a Felícia consegue porque não hás tu de consguir? E com muito mais estilo...Estou a falar de jornalismo claro! ;)

4:07 da manhã  

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