quarta-feira, junho 06, 2007

Baldio


Permanece o baldio. Terreno cheio de ervas daninhas. Ouve-se a voz de Enya como brisa do vento. É um tempo que a irrita esse da Enya. Traz muita memória da adolescência, muito os 15 anos, aquele sofrimento(zinho) que nem sequer se sabe determinar a origem. Não gosta da Enya, a Enya é a banda sonora de um trabalho de filosofia no liceu. Todos adular o professor meliante que arrasta a asa para cima das rapariguinhas. Oh! Se conhecessem na altura This Mortal Coil davam com ele em doido!
Há uma rudeza no silêncio enyante/ entediante do baldio. Não sabe o que lá há-de plantar. Cebolas talvez, para que os olhos chovam aquilo que ainda não choveram. Com as cebolas os olhos ardem, não choram.
Há uma invalidez no raciocínio não consegue lembrar-se de quase nada. Ontem havia o rapaz do taxi que dizia que tinha acabado de descascar uma laranja. A laranja era doce da baía. Baía? Sim Baía do Algarve. Ah! Estou a ver...
Mas na realidade não está, só sente e inspira o cheiro peganhento da laranja.
Veio com ele para casa no seu taxi a tresandar a laranja descascada, doce da baía algarvia. Vê que duas das letras gigantes do edifício do Diário de Notícias estão fundidas (há quanto tempo estarão?) mas não fixou quais seriam. Imaginou que talvez tenha sido razão suficiente para o Pedro Mexia se ir embora. (Na altura a observação mental foi mais engraçada.) Está tudo tão claro no cérebro. O rapaz do taxi acha-se bonito, e interrompe as observações fugidias. Estava fraco o bairro? Não, não estava. Monocórdica. As luzes do DN estão fundidas, o DN está moribundo. Já ninguém quer escrever no DN. Quase todos fugiram para as páginas dos pasquins vizinhos. O Baldio incha e contamina Lisboa. Crescem urtigas em vez de fertilidade. É atropelada por pessoas que gostam demasiado de si próprias, porque no fundo não gostam assim tanto e têm medo que os outros também não gostem e não as venerem. As pessoas querem ser aduladas como o professor de filosofia do liceu.

“Aceita-se pessoa que me afague o ego. Que diga que sou imprescindível no pardieiro em que me movo.”

Se há coisa que percebeu no tempo em que pastava buganvílias violeta (e que saborosas eram) no rebanho do Carneiro é que ninguém é insubstituível! O baldio incha-lhe dentro da cabeça. Suspira fundo, o mundo pertence aos escroques e aos manhosos. Vê a vida com outros olhos. Já não é ceguinha de todo.