Vou contar-te uma história. Talvez não chegue a contar mas gostava. São sempre macabras ou muito comezinhas. Não há meio-termo. Depois os dias no meu quotidiano empurram-me para cenas mesquinhas de cacaracá e eu não tenho tempo. Não tenho tempo de fazer aquilo que mais gosto. A cena mais individual da vida. Aquela que é difícil que te expõe, que ficas transparente, nu com as entranhas de fora. E depois se ninguém gosta?
Se achar que sou má, não faço puto.
Desculpas esfarrapadas dir-me-ão. Eu baixo a cabeça e faço uma vénia, conveniente.
Há uns dias estava a ler um livro realmente mau, e disse para os meus botões, vou lá voltar, para um chichizinho neste canteiro do mundo.
Ninguém dá por mim. A vida em directo é isto, podes sempre mudar de página. Se achares que estou a ser crua e amarga, há montes de páginas cheias de ursinhos de peluche de olhos tortos, mensagens com dizeres amorosos a três dimensões. Acho isso tudo muito ridículo, feio até. Mas por detrás deste muralhão da China empedernido gosto tanto de xi corações.
E mato-te, ou morro por ti?
A greve de fome fez-me ficar esperta, eu que gosto tanto de cañas e tapas, contento-me com migalhas rançosas do dia anterior. Um drama de faca e alguidar. Ou isso, ou enveredo pelas buganvílias da janela da minha infância, com famílias inteiras de passarinhos a chilrear pela manhã. Lembro-me daqueles sábados preguiçosos em que não sabia ainda o que era passar a manhã inteira na cama. Acordava às cinco da manhã e punha-me a ler Enid Blyton debaixo de uma lâmpada a meio gás que me fez ficar ainda mais pitosga.
Isto de acharmos que enquanto crianças é que éramos promissores é um bocado de vómito. Mas não vou seguir regras só para ficar bonitinho, para ser politicamente correcta. Se calhar vou voltar aqui mais vezes em vez de rasgar os papelitos e enfiar tudo timidamente nos confins da gaveta, afinal podes sempre dizer em última instância que eu não presto para nada. E mesmo assim meto prego a fundo e vou por aí na mesma. A vida lá fora aguarda-nos!